Resenha do Livro A Natureza da Mordida de Carla Madeira: Uma Jornada de Autoconhecimento e Reflexão

Uma reflexão profunda sobre o peso do tempo sobre as decisões tomadas, envoltas em uma agonia causada pela falta de respostas

Resenha do livro: A Natureza da Mordida, de Carla Madeira

A obra “A Natureza da Mordida” se apresenta de forma tranquila, contrastando com a intensidade de outros livros da autora. Carla Madeira constrói uma narrativa que lentamente envolve o leitor, como uma sombra que avança. As protagonistas, mulheres marcadas pelo sofrimento, se conectam em meio a suas angústias.

Durante boa parte da leitura, o leitor se vê em um estado de inquietação, tentando descobrir o que realmente aconteceu com essas mulheres. As memórias compartilhadas remetem a um desejo desesperado de retroceder no tempo, enquanto o relógio continua a seguir em frente. Essa busca por respostas se torna uma constante, trazendo à tona perguntas sobre as razões por trás de abandonos e rompimentos abruptos.

O suspense é estrategicamente mantido até a segunda metade do livro. É nesse ponto que as verdades começam a emergir, revelando o desconforto que envolve esses segredos. Uma reflexão central do enredo é: até que ponto suportamos a incerteza? Trata-se de algo que afeta a alma, mais profundo que um simples boato.

Mulheres feridas e fortes

Os personagens principais, Biá e Olivia, são mulheres que enfrentam adversidades marcantes em suas vidas. Biá, uma psicanalista aposentada, lida com o avanço da perda de memória, relembrando suas experiências passadas. Ela teve uma vida repleta de realizações: uma carreira, um marido amoroso e uma filha, que sempre respeitaram sua paixão pelos livros.

Por outro lado, Olivia perde o pai em um acidente trágico, fazendo com que ela e sua mãe tenham que reerguer suas vidas após a perda. Nesse cenário, Olivia encontra em Rita, sua nova vizinha, uma amizade vital. Juntas, elas formam um laço que se torna um refúgio em meio ao caos emocional.

À medida que as histórias de Biá e Olivia se entrelaçam, outras figuras importantes aparecem. Laura, mãe de Olivia, e Teresa, filha de Biá, também trazem suas próprias histórias de dor e superação. A leitura alterna entre as anotações de Biá e as experiências compartilhadas por Olivia, criando um espaço para que o leitor reflita sobre cada evento significativo.

A força de um ato de amor

Como nas outras narrativas de Carla, o passado é fundamental para entender o presente. Cada decisão tomada gera um efeito em cadeia, revelando a interconexão entre os eventos. Contudo, em “A Natureza da Mordida”, a mudança não provém de ações impulsivas. Aqui, a resposta para as grandes questões da vida surge de uma escolha deliberada de não agir.

Essa decisão de não enfrentar uma situação pode ser tão impactante quanto uma tragédia. A escolha de evitar um desastre iminente mostra o quanto o amor pode moldar comportamentos. O ato de se resguardar pode ser visto como nobre, mas também carrega um peso que muitas vezes se transforma em uma maldição. Os silêncios e a falta de comunicação tornam a compreensão nebulosa, deixando todos beirando a angústia.

Essa obra questiona a capacidade do ser humano de viver com a ausência de respostas. Apesar de ser intuitivo afirmar que podemos aceitar o desconhecido, existem momentos em que a necessidade de saber sobrepõe essa ideia. Cada personagem se vê em um limbo, onde falar e ouvir se tornam atos cruciais, mas muitas vezes negligenciados.

Para quem já teve contato com as obras anteriores de Carla Madeira, “A Natureza da Mordida” oferece um espetáculo de emoções divididas. A leitura proporciona uma nova perspectiva sobre o impacto do tempo nas escolhas que não foram feitas. Em meio à agonia de esperar por esclarecimentos, a autora nos leva a um ponto de reflexão: talvez, em certas circunstâncias, a ignorância seja a melhor abordagem.