Resenha do livro Hamnet de Maggie O’Farrell: Uma Jornada Emocional pela Perda

Uma narrativa impressionante sobre laços familiares, amor, doenças e luto na trajetória do dramaturgo autor de Hamlet

Análise da Obra: Hamnet, de Maggie O’Farrell, traduzido por Regina Lyra, lançado em 2023 pelo Clube Intrínsecos da editora Intrínseca

O livro “Hamnet”, escrito por Maggie O’Farrell, foi uma compra inesperada feita por um leitor em um kit do extinto clube Intrínsecos. Sem saber muito a respeito da obra, o leitor apenas queria explorar as opções do clube, sem imaginar a profundidade da conexão com uma das peças mais famosas de Shakespeare.

A revelação de que Hamnet, o filho falecido de Shakespeare, serviu de inspiração para o título da peça “Hamlet” deixou todos surpresos. O’Farrell decidiu explorar a rica e trágica vida de Hamnet, proporcionando uma nova perspectiva sobre Shakespeare, frequentemente visto como uma figura distante e inatingível.

A revelação de Hamnet

Maggie O’Farrell, uma renomada autora do Reino Unido, já contava com uma carreira escrita de oito livros antes de “Hamnet” surgir em 2020. O interesse pela história começou durante seus anos escolares, quando estudava “Hamlet”. Durante esse período, soube que o título da famosa peça estava intimamente ligado ao nome de seu filho, Hamnet, que morreu jovem devido a uma epidemia de peste.

Curiosa em descobrir mais sobre o impacto dessa perda na vida de Shakespeare, O’Farrell se deparou com a escassez de informações sobre a vida pessoal do dramaturgo, mas as informações disponíveis a intrigaram profundamente.

Shakespeare, oriundo de uma família de fabricantes de luvas, casou-se com uma mulher mais velha, que estava grávida, e rapidamente se viu assumindo responsabilidades familiares. Com o nascimento da filha Susanna e a chegada dos gêmeos Judith e Hamnet, Shakespeare frequentemente se deslocou para Londres, em busca de melhor sustento, deixando sua família em Stratford-upon-Avon.

Os rumores em torno de sua vida pessoal sugerem que Shakespeare não desejava o casamento, o que explicaria sua ausência prolongada e a dificuldade de sua mulher em lidar com as tarefas diárias como mãe solo. Histórias de fofocas sobre a reputação de sua esposa, que os biógrafos retratam de forma negativa, adicionam um layer de complexidade a essa narrativa.

“Fomos alimentados com a ideia de que Agnes era uma prostituta camponesa ignorante que ganhou um menino genial para se casar, que a odiava e precisou fugir para Londres a fim de escapar dela.” – Maggie O’Farrell

O destaque para Anne/Agnes Shakespeare

A esposa de Shakespeare, frequentemente referida como Anne ou Agnes, era uma mulher de origens humildes que cresceu em uma sociedade que limitava as mulheres a papéis domésticos. Ao longo do casamento, ela assumiu a responsabilidade total pela educação dos filhos e pelo trabalho da casa, enquanto seu marido estava ocupado na cidade.

Esse cenário proporcionou a Agnes uma luta constante do cotidiano, vivenciando a maternidade sozinha e gerenciando as tarefas do lar por longos períodos. Mesmo após a volta tardia de Shakespeare ao lar, desses 20 anos de afastamento, o legado de Agnes como mãe e esposa nunca foi devidamente reconhecido ao longo da história.

Hamnet — a obra de Maggie O’Farrell

A autora decidiu criar um relato ficcional que não apenas destaca a vida de Agnes, mas também examina a dor da perda do jovem Hamnet e como a distância afetou a relação do casal. O romance ressalta o sofrimento de Agnes ao perder um filho, que impactou suas escolhas e sua vida repleta de desafios.

A narrativa revela Agnes como uma mulher única e forte, com uma ligação especial com a natureza e uma intuição que era vista com desconfiança. Seu percurso de vida é traçado com sensibilidade, mostrando seu papel como suporte nas sombras da notoriedade de seu marido.

Na obra, a jovem enfrenta suas inseguranças e o olhar crítico da sociedade, vivendo em um mundo onde padrões de comportamento eram rigorosos. A história não se concentra apenas na figura de Shakespeare, mas sim na complexidade da vida familiar e nas dinâmicas entre o casal.

“Ela cresce se sentindo errada, inadequada, morena demais, alta demais, demasiado indomável, demasiado obstinada, calada demais, esquisita demais.”

A exposição do passado e do presente na narrativa oferece uma visão mais profunda da vida de Agnes, onde os desafios de criar os filhos sozinha estão sempre presentes. A dor da perda de Hamnet e a luta de Agnes contra a sociedade machista proporcionam uma nova luz ao legado de Shakespeare.

A autora entrelaça a história de amor do casal, apresentando uma visão mais completa e menos estereotipada do relacionamento deles, além de tocar em questões emocionais que foram ofuscadas ao longo dos séculos.

Através de experiências e memórias intercaladas, O’Farrell constrói uma visão rica e emotiva sobre o que significa perder um filho em uma época em que o luto era uma realidade solitária, mas que acaba moldando as relações familiares. O papel de Agnes como mãe e esposa se torna central na narrativa, demonstrando sua força e resiliência em face à tragédia.

Ao ler “Hamnet”, o leitor é levado a uma jornada que mantém a emoção e o drama ao longo de suas páginas, criando um retrato íntimo da vida de uma mulher que, enfrentando adversidades, ainda encontra uma forma de manter sua dignidade e amor.

A obra oferece não apenas uma nova compreensão da história de Shakespeare, mas também uma homenagem à vida de uma mulher cujas lutas e experiências muitas vezes foram esquecidas. Este livro é uma oportunidade única de explorar a interconexão dos destinos, além de desafiar as narrativas históricas que moldam nossos entendimentos sobre figuras tão icônicas.

A complexidade na escrita de O’Farrell proporciona um olhar fresco e reflexivo sobre a maternidade, a perda, o amor e as expectativas sociais. É uma obra rica em detalhes que traz à tona questões que muitos ainda enfrentam nos dias atuais.

Se você aprecia histórias profundas que exploram as intricadas relações humanas, “Hamnet” promete ser uma leitura memorável.